Naquele ano não me tinha aplicado na cadeira de Administração Pública do Cândido. Já tinha sido corrido a oitos e noves em várias frequências e exames. Estava meio desanimado.
Mesmo assim fui ao exame. Dessa vez o Cândido não ditou as perguntas, sim uma vez não entregou o enunciado, ditou as perguntas para nós escrevermos nas folhas de teste. Já tinha preocupação ecológicas na altura.
Cinco perguntas, quatro delas fazia uma vaga ideia como responder dos meus estudos para testes anteriores. Já a pergunta número quatro não fazia a mínima ideia do que se tratava, deu-me uma sensação de dejá vu.
Responder quatro em cinco era nega certa, tanto mais que descontava por certos erros ortográficos. O melhor conselho era escrever concelho senão era menos um valor. E escrevia-se muitos concelhos no exame. Já ia quase no fim e pergunta um colega meu:
- Professor, esta pergunta 4, sobre que tema se trata? Não me lembro de dar isto nas aulas ou de estar nos nossos apontamentos...
- Sim, professor eu também não me lembro - diz outro colega...
É tão bom não nos sentirmos sós neste mundo. Com esta partilha de ignorância, senti uma enorme empatia para com os meu colegas que se queixaram. Eu obviamente não disse nada, não ia dar parte de fraco.
- A delegada de turma não vos distribuiu as fotocópias que lhe entreguei na última aula - pergunta o Cândido - eu dei-lhe para ela distribuir.
??*##*!!-se, prejudicado outra vez, eu nem sei quem é a delegada de turma. Revi as outras perguntas mal respondidas e entreguei o exame.
Não esperava grande coisa, nem sequer nota para ir a oral. Passado uma semana sem ver a nota afixada fui ao gabinete do Cândido. A porta estava aberta e com ele estava a Maria de Guimarães.
- Vem para a oral? - pergunta o Cândido.
- Oral professor? Não, só vim para saber a nota. Não sabia que havia oral.
- Mas eu tinha marcado as orais para hoje a esta hora, sente-se aí faz com a Maria.
- Mas eu não estudei professor.
- Logo se vê sente-se.
Sentei-me.
O Cândido fez uma série de perguntas começando sempre pela Maria. Ela não conseguiu responder a nada. Eu também não. Pah, eu não sabia que havia exame, mas a Maria sabia e não dava uma para a caixa, não se percebia.
- Maria, assim vou ter que chumbá-la.
- Mas eu preciso de passar - a Maria já chorava baba e ranho - preciso dos créditos desta cadeira para passar de ano.
A Maria era um postal pouco compreensível, uma vez durante uma aula, vindo do nada, o Cândido perguntou à turma, "quantos concelhos há em Portugal". Perante o silêncio generalizado o Cândido insistiu, "um estudante de Administração Pública tem de saber quantos concelhos há em Portugal". A Maria quebrou o silêncio com uma resposta "oh professor, eu acho que são 69".
Para encontrar um diálogo professor/turma tão pornográfico tenho que recuar aos meu tempos de secundário numa aula de Filosofia. A professora tinha um método pedagógico extraordinário, passava-nos fotocópias do Descartes e mandava-nos, individualmente, fazer resumos esquemáticos da matéria. A sala num completo silêncio e a professora lembra-se de perguntar "aqui alguém toca alguma coisa?". E perante uns risos abafados lá emenda ela "sim, alguém toca algum instrumento". A tal coisa da emenda e do soneto.
- Maria, eu estou a fazer-lhe perguntas simples, estou a fazer perguntas para um aluno de dez e não me consegue responder. Eu podia fazer-lhe perguntas para um aluno de dezasseis, por exemplo, sabe a diferença entre uma Lei e um Decreto Lei?
Deves estar a brincar pensei eu.... dezasseis?!? É quase uma pergunta de cultura geral. Mas não, a Maria não sabia e continuou a banhar-se em lágrimas.
- Bom, ao Rui nem vale a pena perguntar - deduz o Cândido.
- Professor... essa eu sei. Uma Lei é uma iniciativa legislativa aprovada na Assembleia da Republica e um Decreto Lei é um processo legislativo emanado pelo Governo.
Mais uma vez não tenho palavras para descrever a cara que o Cândido fez, desconcertado talvez seja a que mais se aproxime.
- Pois o Rui tem destas coisas, não sabe respostas para coisas fáceis mas depois surpreende-nos com respostas para coisas difíceis.
- Professor, dei-lhe uma resposta a uma pergunta de dezasseis na oral, vou então ter nota para passar?
- Oh Rui - diz envergonhado - sabe quanto teve na prova escrita? Teve quatro, assim é difícil passá-lo.
- Eu sei que a prova escrita não me correu bem, mas o professor insistiu que eu fizesse a oral e respondi-lhe a uma pergunta para dezasseis, acho que mereço pelo menos o dez.
- Está bem, vou reflectir. Podem ir embora depois eu afixo as notas.
A esperança com que fiquei morreu no dia seguinte quando afixou as notas, chumbou-me. Até a próxima oral.
https://www.youtube.com/watch?v=daVf7m-j0fE
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