sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O meu in illo tempore: A contabilidade do Armandino




O professor Armandino leccionava a cadeira de contabilidade na Universidade do Minho. Cadeira não, cadeirão, até porque para sentar toda a sua estrutura corporal a peça de mobiliário tinha que ser reforçada.

Contabilidade um cadeirão? Perguntam. Sim, não pela parte prática. Lançamentos no razão, balanços e balancetes, o habitual, não tinha grande ciência. Mas era preciso tirar no mínimo oito valores e meio na parte teórica. E em que consistia a parte teórica?

  • Dez perguntas de verdadeiro ou falso sobre a história da contabilidade.
  • Uma pergunta sobre contabilidade de grafos ou sobre inflação aplicada à contabilidade.
  • Um exercício sobre contabilidade multidimensional de Ijiri.

As dez perguntas de verdadeiro ou falso eram as mesmas desde os primórdios dos tempos, mas não havia certezas absolutas sobre as respostas pretendidas. A contabilidade de grafos e a inflação ainda era matéria acessível. Mas o Ijiri, bem.. o Ijiri era algo de infame que uma mente perturbada criou para agonizar os cérebros impreparados de jovens estudantes.

Ainda me lembro dos exames de contabilidade com os alunos distribuídos por um número grande de salas, hora e meia para o exame teórico, intervalo e mais hora e meia para o exame prático. E a recepção do Armandino "está um tempo tão bom para ir à piscina, o que é que estão aqui a fazer"?

Eu, o José da Maia, o Albino de Braga e o Rui "biscoito" de Guimarães juntamo-nos para fazer uma directa a estudar para o exame. Não que não tenhamos estudado antes, mas a matéria era muita. Juntámos os calhamaços todos à volta da mesa, caneta e bloco de apontamentos, e .... 
- Vamos lá - digo eu - por onde começamos?
- E se jogássemos antes uma partida de cartas - pergunta o Albino? 

O lema do Albino era: "eu não estou na Universidade para tirar um curso, eu estou na Universidade para arranjar conhecimentos". Lembro-me de uma aula teórica do Armandino, com o anfiteatro completamente cheio em que o Albino veio sentar-se ao meu lado. Trazia uma quantidade enorme de livros que pousou no chão e colocou o caderno de apontamentos no apoio da cadeira. Nem quinze minutos passados:
- Isto é uma seca.
O Albino é boa pessoa, mas é abrutalhado no modo e na compleição. Junta os livro todos em cima do apoio da mesa, vira-se para mim:
- Vou-me embora - e arrancou.
Arrancou literalmente. Levou o apoio da mesa junto com a pilha de livros.

Apesar do
 jogo de cartas o exame teórico nem correu mal, já estávamos no exame prático, na sala onde se encontrava o professor Armandino. Ele começou a corrigir os exames teóricos que estavam em cima da mesa do seu lado esquerdo. Tirava um, gatafunhava a vermelho e colocava-o do lado direito da mesa e ia seguindo assim sucessivamente. A pilha de exames gatafunhados do lado direito já era grande enquanto do lado esquerdo faltava apenas corrigir meia dúzia deles, quando o Armandino pergunta:

- Onde está a Amélia Silva?
Todos olham para ele.
- Amélia Silva? Não está nesta sala?
Responde uma voz ao fundo.
- A Amélia desistiu do exame prático, já foi embora.
- Que pena - lamenta o Armandino - ia dar-lhe os parabéns, foi a única que acertou no exercício do Ijiri até agora.

E assim fomos informados prematuramente do chumbo certo. 

Acabei por fazer Contabilidade no ano em que o exame não trazia nenhuma pergunta sobre o Ijiri. Muita gente aproveitou essa benesse para terminar esta cadeira.